LEIA OU VIVA APRENDENDO… A LER

Falaram na rádio: – Eu escrevo bem e muito, ó radialista. Acho que eu sou o escritor mais original da nova geração de escritores angolanos. Por isso, não leio nada, nem ninguém. Não quero ser influenciado. Sou especial. Eu me inspiro em mim e no meu eu.

Por Fernando Kawendimba
Escritor

Uma vez, ouvi este fragmento na rádio, mas “não falaram”. Uma voz: em violenta verdade, quem havia emitido a sua possível e real situação fora um jovem aspirante a escritor, abusando da sua liberdade de expressão ou, talvez, usando da sua libertinagem de expressão. Desrespeitar a opinião de outrem? Discordo!

Há mais de uma década, em casa de um amigo, apareceu-nos um cantor e compositor, na ribalta do anonimato, motivado para nos apresentar as “suas” criações musicais. Trazia ele alguns cadernos desencantados, descompostos, contendo mais de dez dezenas de letras, recheios de canções de amor ou da falta deste sentimento afectivo. Enquanto as interpretava para a plateia que devíamos ter sido, o meu amigo encarnou o crítico musical e o acusou de plágio. As que escutámos eram imitações fraudulentas do repertório de um artista angolano famoso. Apesar das evidências, o bandido, ou melhor, o artista saiu em sua defesa: “as minhas canções nunca poderão ser iguais às de alguém porque eu não ouço músicas”. De igual modo: para não ser influenciado.

Duvido que não haja mais autodenominados músicos que não ouçam músicas, sobretudo as de outrem. Não duvido que muitos autoproclamados escritores se recusem a ler, principalmente obras de outras autorias. Há também assumidos professores e intelectuais nesse kit. Ocorrências dessa índole fazem flutuar o perigo da ignorância pública, altamente contagiosa, irresponsavelmente degradante. Sejamos todos leitores, a começar pelos escritores. Quando, num país, o público leitor não representa a população, está-se diante de um problema de saúde pública, um problema de saúde mental pública, para ser mais preciso.

Mal sabe ler, quer escrever bem? Gonçalo M. Tavares falou o seguinte, numa entrevista que concedeu: “para escrever um livro, é imprescindível ler mil”. O consagrado escritor português nascido em Angola citou um ditado japonês. Escreve melhor quem lê com constância. Sabe-se disso por experiência e ciência.

A leitura aprimora a atitude crítica, aguça a criatividade discursiva do indivíduo. Em nome da leitura, dispensam-se burocracias para viajar noutras fontes do saber, em áreas de conhecimento estranhas, em admiráveis mundos novos.

A fala e a escrita ficam mais bem articuladas e o produto do pensar, mais bem formado. Quando o indivíduo lê, quanto mais ele lê, o seu vocabulário é ampliado. Léxico bem-disposto torna a comunicação quase tão natural quanto uma paisagem não antropizada. Ler abre veredas para línguas e linguagens diversas.

A empatia pode nascer, crescer e melhorar se passarmos tempo a ler. Regularmente, quem lê é capaz de se sentir e se imaginar na condição do outro para o ajudar. Não são poucos os lugares e épocas, culturas e gerações, filosofias e ciências, humanidades e divindades aprendidos por meio da leitura. O leitor tem setenta vezes sete vidas, está ininterruptamente a aprender, a aprimorar as suas inteligências, a acender mais luzes para a sua humana experiência. Quem lê sabe do que lê nesse momento: considera situar-se no lugar de quem escreve.

O hábito da leitura evita males à memória, à concentração, à atenção. Os valores ideais de um povo podem ser muito bem guardados em forma de escrita para virem a ser lidos. Daí que seja imperioso que nasça um leitor em cada indivíduo, uma biblioteca em cada família, escola, comunidade. Quando nesses meios há falta ou perda de objectos de leitura, sujeitos sem cultura multiplicam-se e enchem a terra de arrogantes insipiências, apartando-se do desenvolvimento humano, do bem-estar comum, da saúde mental necessária para ser e viver.

A nossa jovem população deve ler até (não) se fartar, especialmente quem ousar escrever para publicar livros (e discos). Aquele que estiver em posição de ensinar e influenciar nunca deverá abdicar do papel de leitor. A leitura é um bem e beleza para a mente e para o espírito. Diga-se literal e literariamente nas rádios e em todos os meios de comunicação: leia ou viva aprendendo a ler.

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